"Da caverna aos
arranha-céus, do garrote às armas de destruição massiva, da vida tautológica da
tribo à era da globalização, as ficções da literatura têm multiplicado as
experiências humanas, impedindo que homens e mulheres sucumbamos à letargia, ao
isolamento, à resignação. Nada tem semeado tanto a inquietude, agitado tanto a
imaginação e os desejos como essa vida de mentiras que acrescentamos à que
temos, graças à literatura para protagonizar grandes aventuras, grandes
paixões, que a vida real nunca nos dará. As mentiras da literatura se
transformam em verdades através de nós, os leitores transmutados, contaminados
de desejos e, por causa da ficção, em permanente desafio com a medíocre
realidade. Feitiçaria que, ao nos iludirmos em ter o que não temos, ser o que
não somos, aceder a essa impossível existência, onde, como deuses pagãos, nos
sentimos terrenos e eternos, ao mesmo tempo, a literatura introduz em nossas
mentes o inconformismo e a rebeldia, subjacentes a todas as façanhas que têm
ajudado a reduzir a violência nas relações humanas. Para reduzir a violência, e
não acabar com ela. Porque a nossa será sempre, felizmente, uma história
inacabada. Por isto, temos que prosseguir sonhando, lendo e escrevendo, a
maneira mais eficaz que encontramos para aliviar nossa natureza perecível,
derrotar a podridão do tempo e tornar possível o impossível."
Excerto do discurso de Mario Vargas Llosa ao receber o Prémio Nobel de
Literatura, Estocolmo, Suécia, 7 de dezembro de 2010.
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