Eu fico triste como um pôr-do-sol
Para a nossa imaginação
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Fica triste Alberto Caeiro por se apagarem as luzes no ocaso, pela impossibilidade de
ver o mundo tal como ele é. Para si, nada é tão relevante como as sensações, os sentidos –
principalmente a visão. E, apesar de termos estudado a sua filosofia, tivemos a prova viva de
que, por vezes, não precisamos dos olhos para ver.
Elisabete e Paula são ambas cegas – porque condenam a designação de invisuais - e exalunas
da nossa escola. A nosso pedido, presentearam-nos com a sua visita, na qual, de forma
informal, partilhamos impressões sobre a vida, a escola e o mundo. Nela, participou, também, a
professora de Educação Especial Rosa Maria, que sempre as acompanhou, e a professora Ana
Cristina Coutinho, que tornou possível este projeto.
Apercebemo-nos de que o mundo não está devidamente preparado para pessoas com
incapacidades visuais. Estes deparam-se com alguns obstáculos, tais como a dificuldade de
circulação provocada pela estrutura de base estreita e topo largo das plantas das cidades –
situação causadora de acidentes; a falta de informação em braille nos rótulos dos produtos
alimentares (designação, validade, etc.) e, ainda nos medicamentos (dosagem, contra-indicações, etc.); a dependência de terceiros para consulta de extratos bancários, levantamentos e restantes
transações. Para além disso, os cegos são pouco destacados nas decisões políticas, pelo que os
seus equipamentos informáticos, técnicos e livros são extremamente dispendiosos e de difícil
acesso.
Apesar de todas as adversidades, estas irmãs conseguiram ultrapassar os escolhos e
tornaram-se duas mulheres sensacionais, com habilidades para escrita, para os estudos em geral
e para desempenhar um papel ativo na sociedade e na educação dos sobrinhos.
Durante a conversa, foram inúmeras as histórias que nos deram a conhecer: a ida de
Elisabete ao cinema; a primeira visita à praia, em que Paula exclamou, surpreendida: “O mar é
lindo!”; a vez em que guiaram um grupo de turistas, na cidade do Porto, através da rede do
metro; as peripécias das aulas de Educação Visual; a situação no Centro de Emprego, quando
aconselharam as irmãs a integrar um curso de jardinagem ou construção civil; a injustiça que
Paula sentia ao não poder confirmar a beleza de um certo professor de Educação Física através
do toque.
Relativamente à ida ao cinema, cujo relato particularmente gostamos, a Elisabete falou-nos
do quão interessante, porém cansativa, foi a experiência, dado que existe a constante
necessidade de ter quem lhe explique o que está a acontecer no filme e quem leia as legendas,
tendo a professora Elsa Cerqueira assumindo esse papel, neste caso. Deste modo, o
intermediário nunca consegue ser totalmente objetivo, o que faz com que imponha as suas
perspectivas – questão, inclusive, abordada pela professora Rosa Maria. Segundo ela, é injusto
os cegos verem através de outros olhos, sendo que isto lhes limita a ideia que eles têm do
mundo exterior.
É certo que, no final da iniciativa, pudemos comprovar a citação d’O Principezinho: “O
essencial é invisível aos olhos”, visto que aprendemos com Paula e Elisabete, que a visão é
apenas uma distração - o que é verdadeiramente importante são os sonhos, a imaginação, a força
de vontade e a vivacidade que as caracterizam.
Em suma, consideramos que esta experiência foi muito gratificante e motivadora, pelo
que desejamos manter o contacto com as irmãs. Suscitou em nós uma intensa reflexão acerca
das nossas próprias oportunidades e do nosso sentido de vida. "
Texto da autoria de Ana Rita Félix, Diana Monteiro Pinto, Inês Costa, Maria Beatriz Pinto, 12º CLH1