(…) - A Custódia era
uma boa mulher. Ficou viúva muito cedo e sem filhos. Depois casou-se pela
segunda vez com o Avelino, que sabia tocar concertina; era negociante de milho
e era muito gordo. O casamento durou meia dúzia de anos, ou nem isso, porque o
Avelino morreu de repente com um ataque cardíaco. Foi a meio da missa do
domingo que isso aconteceu. O padre Agostinho estava a pregar e de repente o
Avelino caiu para o lado. Morreu como um passarinho.
- Depois ela casou-se outra vez? – perguntei eu, entusiasmado
com a história.
- Não sejas parvo!
- Mas podia acontecer…
- Cala-te!
Tendo em conta as dores de cabeça de minha mãe, calei-me.
As histórias que os velhos contam, às vezes, têm piada. Se
eu, mais tarde, resolver fazer uma novela, acho que já tenho uma bela poupança
de casos que posso relatar. Acho que seria interessantíssima esta cena da
Custódia a gritar no meio da igreja apinhada de gente em total silêncio:
“ Meu gordinho, minha bola de Berlim, porque é que caíste
neste chão frio? Adeus, Avelininho…adeus, segundo amor da minha vida!”
E foi então que minha mãe perguntou, farta de saber que não
havia resposta para uma questão aparentemente tão simples:
- E agora quem é que vai tomar conta do meu pai?
Meu pai ficou com a colher de sopa no ar e eu pus-me a olhar
para as flores azuis do prato. Depois, lembrei-me das violetas que havia num
canto do quintal do avô. Eram as suas flores preferidas porque, explicava ela,
sem eu entender muito bem o que ele queria dizer com aquilo, “ as violetas
avisam os homens que estamos aqui de passagem, mas isso não nos impede que
cheiremos bem enquanto por cá caminharmos”
Um dia, escrevi textualmente este pensamento num teste de
português. Pelo esforço despendido, recebi de presente oito pontinhos de
interrogação. Auto-confortei-me: não é toda a gente que se pode dar ao luxo de
ter um avô que mora em Torna-Ó-Rego e diz coisas tão filosóficas. A stôra não pertencia, com toda a certeza,
ao grupo minoritário dos que têm um avô parecido com o meu. (…)
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